Docente da
Universidade Católica Portuguesa.
Consultor de
empresas.
Numa época em
que as mudanças profundas se sucedem e a volatilidade parece ser o único atributo permanente dos mercados e das
Organizações, torna-se praticamente impossível identificar empresas de sucesso.
Veja-se a situação de uma boa parte das empresas tidas como modelos de
excelência, no conhecido best-seller de Peters e Waterman, In Search
of Excellence, dez anos após a publicação do livro. O que parecia ser um
quadro de referência duradouro e um benchmarking para uma geração de
gestores, foi rapidamente arrastado pela torrente da mudança.
É provável que
tenhamos que mudar o nosso objecto de análise. Em vez de identificar e estudar empresas
de sucesso, vamos ter que centrar o nosso esforço na investigação dos factores
de sucesso para as empresas. Estes factores têm uma correlação
positiva com critérios de sucesso
empresarial, mas podem manifestar-se em diferentes graus, combinar-se de
diferentes modos e explicarem, ao longo do tempo, os pontos altos e baixos, do ciclo de vida de
uma Organização.
O impacto que
os casos (transitórios) de empresas de sucesso têm nos gestores e na opinião pública, a moda generalizada dos case studies, e a dificuldade de definir os próprios
critérios de sucesso, são algumas causas da escassez de investigação e de dados objectivos sobre as determinantes do
sucesso empresarial.
Dos factores
endógenos de sucesso que mais
frequentemente são citados, destacam-se os seguintes: conhecimento do negócio e
da sua envolvente, actualização tecnológica,
orientação para os resultados, orientação para o cliente, inovação,
melhoria contínua, trabalho em equipa e liderança. Da conjugação destes
factores, parece emergir a ideia de que uma empresa tem sucesso enquanto e
na medida em que for capaz de:
-
acumular
e partilhar um conhecimento profundo do negócio e do contexto alargado em que
se integra, da evolução tecnológica e dos processos relacionados com a criação
de valor, e utilizar a experiência numa perspectiva de melhoria contínua;
-
inovar
permanente os produtos, os serviços e a cadeia de valor;
-
focalizar
as actividades na obtenção dos resultados e na satisfação dos clientes,
externos e internos;
-
formular
uma visão para o futuro, tomar decisões que corram riscos calculados, e envolver as pessoas na prossecução das
metas.
Se
analisarmos, mesmo superficialmente,
este conjunto de condições, torna-se claro que dependem em grande medida
da qualidade dos recursos humanos existentes.
Competências como os conhecimentos e a experiência, a atitude de
aprendizagem permanente, a criatividade, a baixa resistência à mudança, saber
lidar com o stress, as capacidades de comunicação, de negociação e de
liderança, o locus de controlo interno e a necessidade de realização,
são apenas alguns exemplos de variáveis humanas estreitamente associadas aos
factores de sucesso empresarial.
Mas, se mais argumentos não existissem,
este outro valeria pelo seu radicalismo: as competências dos indivíduos
e das equipas, são o recurso de que depende a qualidade da gestão de todos os
outros recursos. Independentemente da quantidade e qualidade dos recursos
materiais, financeiros, tecnológicos, de informação, logísticos, e outros, que
estejam disponíveis, a eficácia e eficiência de uma Organização dependem
sempre, e em última análise, das decisões que são tomadas pelos responsáveis
aos vários níveis, sobre as metas a atingir, os critérios para a utilização dos
recursos e o modo de planear, organizar e controlar as acções.
É a
importância fundamental dos recursos humanos para o sucesso das empresas e para
o desenvolvimento económico, que torna o problema da qualificação das pessoas
um tema tão dramaticamente actual em países como o nosso, onde muito se tem
falado nos últimos anos de reformas estruturais inadiáveis. Eu prefiro falar de
uma única reforma estrutural inadiável, que
condiciona todas as outras: a revolução das competências.
O discurso político
sobre a baixa qualificação dos recursos humanos em Portugal tem sido abundante,
bem como as intervenções dos responsáveis empresariais e sindicais,
naturalmente preocupados com o problema. Os diagnósticos têm-se sucedido de
diferentes sectores e pontos de vista, com maior alarme à medida que crescem os
desafios da adesão à união europeia. Julgo, contudo, que a maior parte não evidencia as principais
questões de fundo.
Identifico
seis causas principais para o “deficit
de competências”, que é o grande
obstáculo ao sucesso das empresas portuguesas.
1.
Deficit de integração sócio-cultural
A nação mais antiga da Europa continua a ter,
no início do novo século, populações muito isoladas ou marginalizadas, com dificuldade em aceder aos polos de formação e
de cultura, e uma rede escolar que não
responde às necessidades em algumas regiões do país.
2.
Deficit do contexto familiar
Ainda existe
um elevado número de famílias cujas
condições de vida se situam no limiar da pobreza. O trabalho dos filhos é
indispensável (ou é tradicionalmente julgado como necessário) à
sustentabilidade da economia familiar. Neste contexto, muitos pais são a causa
directa do abandono escolar dos filhos ou contribuem para a aquisição de
atitudes favoráveis a começar a trabalhar cedo e ganhar rapidamente a sua
independência económica.
3.
Deficit educacional
Uma grande
parte da população activa tem menos de
nove anos de escolaridade e uma faixa importante situa-se nos quatro
anos ou menos. Actualmente, mais de 20% da população em idade escolar não
conclui a escolaridade obrigatória.
Esta situação
deve-se, nomeadamente, às duas causas anteriormente apontadas, mas também às
políticas de educação em vigor desde a segunda república, as quais nunca
trataram de forma séria e estruturante, a
formação escolar da população.
Na vigência do
Estado Novo, o grande desígnio era que a generalidade da população soubesse
“ler, escrever e contar”. Só uma minoria da população com menos recursos teve
acesso ao ensino técnico e apenas 3% dos jovens em idade escolar chegavam ao
ensino superior.
Depois de
1974, assistiu-se à democratização do
acesso ao ensino. As preocupações de quantidade sobreposeram-se às exigências
de qualidade e, a partir da entrada de Portugal para a União Europeia, as
“preocupações estatísticas” começaram a ceder a critérios mínimos de rigor e de
exigência. Os problemas relacionados com a aprendizagem da matemática e do
português, os elevados índices de insucesso e de abandono escolar, e os níveis
de iliteracia da população, revelados em
estudos recentes, são bem a prova da enormes carências que continuam a existir.
4.
Deficit de formação técnico-profissional
A formação
técnico-profissional também é herdeira de uma carga cultural importante. Perdura ainda a ideia de que a formação
profissional é uma vertente secundária da formação, reservada aos que não têm
meios económicos (ou capacidade) para fazer uma formação superior
universitária. A obtenção de um título académico como factor de sucesso e de
prestígio, continua a ser a grande meta
de muitas famílias e de muitos jovens.
Os
preconceitos sociais também desfavorecem as profissões técnicas e o trabalho de
“mãos sujas” e “bata azul”, enquanto as empresas se debatem com as maiores
dificuldades e se dispõem a pagar salários elevados, para encontrar técnicos
qualificados e chefias intermédias, ao nível dos novos desafios e
responsabilidades.
5.
Deficit de gestão
A formação específica em gestão, de um grande número dos nossos responsáveis
empresariais, é muito baixa, num país
onde é esmagador o número de pequenas empresas .
Embora, nos últimos anos, se tenha feito um esforço apreciável na
formação de novos empresários e de executivos, em boa parte conduzido pelas
principais escolas superiores, estamos
longe de ter ultrapassado o que chamaria um “defit histórico de gestão”.
Na verdade, as origens do problema podem
encontrar-se cedo, na história portuguesa. Desde as origens da expansão
marítima, no início séc. XV, que as iniciativas económicas e empreendedoras de
maior significado eram reservadas à nobreza ou monopólio da coroa. No séc.
XVIII, a política pombalina de constituição de grandes companhias com gestão
centralizada e, já no séc. XX, o Acto Colonial e a política de condicionalismo
industrial, dificultaram o aparecimento de uma burguesia forte, limitaram a
acção do empreendimento privado e, de certo modo, foram um obstáculo ao desenvolvimento de uma “mentalidade
empresarial”.
6.
Deficit de
atitudes
É a dimensão a que se tem dado
menos relevância, aquela em que é mais difícil fazer um diagnóstico
fundamentado e, certamente, onde é necessário um trabalho de gerações para se
conseguirem mudanças significativas.
Muito se tem dito e escrito sobre as
atitudes dominantes dos portugueses e sobre os
nossos traços colectivos mais profundamente enraizados. Dos ensaios de
António Sérgio às reflexões de Agostinho da Silva, Eduardo Lourenço, António
Barreto e Vilaverde Cabral; dos estudos interculturais de Hofstede e
Trompenaars, à investigação sobre as
atitudes sociais dos portugueses, realizada pelo International Social Survey
Program (ICSUL, 1988), os dados são
abundantes mas obtidos de perpectivas muito diferentes e, por isso, difíceis de
integrar.
Sem pretender fazer uma síntese, e com todos
os riscos das atribuições gerais que podem
conduzir a estereótipos, quero apenas mencionar algumas atitudes mais
salientes dos portugueses, com um evidente impacto no desempenho profissional,
no empreendedorismo e no funcionamento das organizações.
- Desconfiança
do poder e do sucesso.
É
frequente as pessoas que têm poder ou obtêm sucesso, levantarem
suspeitas, e a sua posição ser explicada por comportamentos não éticos; é menos
frequente que as pessoas com sucesso constituam para os outros modelos a seguir, através do esforço e da competência.
-
Tendência para a improvisação.
Está associada à dificuldade em perspectivar
os acontecimentos no longo prazo,
planear e aceitar uma disciplina de controlo das acções; é a tendência
para enfrentar os acontecimentos quando eles ocorrem, com os meios disponíveis
no momento (“desenrascar”) e protelar as acções (“deixar correr”), remetendo-as para o ponto em que qualquer
adiamento é impossível (fazer “à última
hora”). Esta tendência tem associada uma
elevada capacidade de reagir a problemas inesperados com poucos meios e
conseguir lidar com as crises, com algum sucesso imediato.
-
Preferência pelo curto prazo.
Manifesta-se na procura de resultados imediatos e na preferência por
empreendimentos com retornos no curto prazo.
Esta tendência pode ajudar a
compreender, como acima foi referido, a
dificuldade em trabalhar com uma perspectiva de longo prazo, necessariamente
mais exigente em termos de planeamento e controlo.
- Centração
nas necessidades próprias.
Tendência para dar prioridade aos seus
próprios problemas e à satisfação da suas necessidades (“tratar da vida”,
“ganhar o seu”); dificuldade em partilhar com os outros, trabalhar em equipa ou
mobilizar-se para movimentos colectivos na prossecução de objectivos comuns, de
forma duradoura. A figura do “biscateiro”, que desempenha múltiplas funções sem
qualificações específicas, trabalha ao sabor das necessidades e das
oportunidades, e se mantém à margem de qualquer estrutura organizacional (ou enquadramento legal ...) é bem o
cruzamento da disposição individualista, da tendência para a improvisação e da
preferência pelo curto prazo.
-
Evitação do confronto.
Traduz-se em atitudes favoráveis a evitar o
conflito ou o confronto com os outros,
na dificuldade em exprimir sentimentos e ideias de forma assertiva, e executar
as acções com determinação, com receio de “ofender”, “parecer mal” , “ficar mal
visto” ou “arranjar problemas”; preferência por resolver os problemas
difíceis através dos compromissos, dos
meios termos ou do simples abandono dos problemas; algumas dificuldades comuns
que temos no relacionamento em contexto organizacional, são exemplares a este
respeito: a dificuldade em falar aos colaboradores sobre os seus pontos fracos;
a dificuldade em penalizar quem se esforça e dedica muito, mas obtém baixos resultados;
o abandono de boas soluções porque nos obrigariam a enfrentar opositores; a dificuldade em separar as relações pessoais
das relações profissionais, ou o formal
do informal; a valorização dos climas de apoio e do “espírito de família”, nos locais de
trabalho, em detrimento duma competição interna saudável e de resultados
superiores.
-
Aversão à incerteza.
Preferência
por ter um emprego seguro e uma situação profissional que garanta um
salário regular e um futuro estável; dificuldade em lidar com situações que
envolvam mudanças rápidas ou riscos difíceis de controlar; desconfiança em
relação às intenções dos outros ou à justiça e imparcialidade dos critérios
utilizados, se a situação não for clara e os acontecimentos esperados.
A batalha que terá que continuar a ser
travada ainda por mais duas ou três gerações,
é a batalha da qualificação das pessoas e da mudança de atitudes. Ela só
terá sucesso com uma substancial melhoria das condições materiais de vida numa
franja da população que ainda sofre graves carências, com um sistema nacional
de ensino e formação, dotado de um modelo mais ajustado e de outros meios, e
com novas políticas que nas escolas e nas empresas criem condições de sucesso
iguais para todos, premeiem os
resultados, a inovação e a qualidade.
As empresas têm, neste âmbito, uma
responsabilidade que não pode ser ignorada, na medida em que as políticas de
recursos humanos, se forem adequadamente formuladas e conduzidas, podem ter um
impacto decisivo na mudança dos comportamentos.
Refiro-me, em particular, a cinco vertentes
das políticas de recursos humanos que podem constituir ferramentas poderosas da
mudanças de valores e atitudes e, por essa via, de mudança cultural: as
políticas de recrutamento e selecção, de avaliação, de desenvolvimento de
competências, de recompensas e de evolução na carreira.
É cada vez mais importante que as empresas
alinhem as políticas e as práticas, com novos valores e atitudes, e dêem aos
seus colaboradores (e à sociedade em geral )
sinais muito claros de que pessoas querem para integrar as suas equipas,
que competências valorizam nos seus colaboradores, que competências querem
desenvolver, que desempenhos são recompensados e o que é necessário para
evoluir na carreira.
Estas
políticas não podem ser apenas
afirmações de princípios do departamento de recursos humanos e piedosas
intenções dos directores departamentais. Têm que ser convicções e práticas,
exercidas pelos gestores e chefias, a
todos os níveis de responsabilidade. Por isso, desenvolver as competências de
gestão das pessoas, nos gestores e chefias é um
grande desafio para os profissionais dos recursos humanos e uma parte
importante do seu papel como agentes da mudança.
Este manual é um instrumento valioso para o
desenvolvimento das competências de gestão das pessoas. Num país em que pouco
se investiga e publica , na área dos recursos humanos, e a maior parte dos
trabalhos relevantes provêm do meio académico,
é digno do maior apreço um trabalho de grande qualidade, realizado por
um responsável de recursos humanos que soube unir à sensibilidade prática, a precisão conceptual e uma estruturação clara e consistente dos temas. Agora, naturalmente, a bola fica
do lado dos leitores ...
Lisboa, Fevereiro de 2003